Portugal vive um momento crucial da sua história, confrontado com desafios inesperados e particularmente exigentes que nos envolvem a todos, de forma individual e como comunidade. Foi, precisamente, neste momento, reconhecidamente considerado como o mais difícil que o país viveu nos últimos cem anos, que o Parlamento Português aprovou a lei da Eutanásia.
Perante tal decisão, o Centro de Estudos de Bioética (CEB) , vem tornar pública (pois é sua obrigação fazê-lo) a sua posição sobre o tema em questão, fruto de uma profunda reflexão que este Centro, ao longo de vários anos, tem vindo a desenvolver em torno de questões éticas no domínio das ciências biomédicas.
Queremos situar esta tomada de posição em dois planos: por um lado, na substância da temática em questão (a da eutanásia); por outro, manifestar uma enorme perplexidade perante a forma (o modo e o tempo) como a aprovação desta lei ocorreu.
Assim, relativamente à questão da eutanásia, queremos salientar os seguintes pontos:
- Reafirmar inequivocamente a dignidade intrínseca do ser humano, dignidade essa que lhe é própria pelo simples facto de “ser humano”.
- Decorrente dessa dignidade, manifesta o enorme respeito e solicitude devidos a quem sofre, física e espiritualmente, quando confrontado com situações de saúde de extrema gravidade, o que inclui a pessoa que se confronta com a sua finitude, mas também os seus familiares e relações significativas.
- Face a essa fragilidade, assinala a falácia dos argumentos centrados na autonomia e na autodeterminação para justificar a eutanásia. A vida é o suporte ontológico do exercício da liberdade, sem a qual esta deixa de existir.
- Encarregar o Estado de definir por ato legislativo uma nova interpretação do exercício de liberdade e de autonomia individuais, ditando regras, definindo critérios e operacionalizando a concretização da morte, constitui a maior contradição e incoerência no que respeita ao exercício dessa proclamada autonomia.
- A luta diária dos profissionais de saúde é cuidar das pessoas doentes, prevenindo, diagnosticando, tratando e acompanhando-as em concreto, com os melhores meios disponíveis, em todas as fases da doença.
- A Medicina e os cuidados de saúde não encontram o seu fim na impossibilidade da cura, antes afirmam-se numa continuidade ao longo da situação da doença, enquadrados na totalidade da vida de cada doente, acompanhando-a em todo o processo da sua vida, de acordo com as melhores práticas da medicina até ao seu fim natural.
- A eutanásia e o suicídio assistido não são atos médicos. A deontologia e a ética médica definem, enquadram e regulam o ato médico; este não poderá nunca passar por provocar intencionalmente a morte de uma pessoa doente, seja em que circunstância for, sob pena de se comprometerem radicalmente todos os atos médicos e de se degradar a relação de confiança que deve estabelecer-se entre as pessoas e os médicos e outros profissionais de saúde que deles cuidam.
- Aprovar um procedimento, estendendo-o ao sistema de saúde nos setores público, privado e social, poderá ainda levantar sérias questões de alocação de recursos e de iniquidades no modo como estes serviços serão criados e distribuídos pelos diversos setores no território nacional, já tão desigual na prestação de cuidados, e por quem a eles possa aceder.
- O cuidado da vida, sendo da responsabilidade dos profissionais de saúde, constitui também um pilar essencial da sociedade no seu todo. Urge, por isso, refletir com profundidade sobre a legitimidade das leis.
- A aprovação de uma lei contrária aos princípios basilares da Constituição, aqui se entendendo o primado do ser humano e o direito à vida, abrirá uma brecha insanável na construção social, constituindo um retrocesso civilizacional.
O CEB continuará empenhado em desenvolver todos os esforços para que Portugal possa crescer no cuidado da pessoa doente, na humanização do processo de morrer e na responsabilidade social em relação aos mais vulneráveis. Será essa a medida que nos avaliará, definindo o que somos como indivíduos, como sociedade e como país.