“Samuel, já estás acordado? Vamos!”. O relógio decalca as 5h30 de sábado enquanto me desfaço do conforto do sono. Invejo a energia dos meus pais, num ápice ao portão. O meu pai acordado pela essência madrugadora, a minha mãe pela alma vicentina. E eu pelo desafio, por uma nova história. Em todo o caso, os três movidos pela fé.
Minutos antes das 6h, a rádio pública transmite um programa pouco escutado. As ruas de Azeméis estão despidas e o sol espreita entre os cobertores do horizonte. A lua está em fecho de turno, aproveitando o atípico silêncio urbano para se aconchegar na luz renovada.
Na Igreja Matriz, as luzes estão bem acesas e os bancos cimeiros preenchidos. O silêncio verbal é arrebatado pela musicalidade da fé. Horas antes havia começado a oração de 24 horas, dinamizada pelos vários grupos da paróquia. Trata-se de um desafio à fé, humildade e ao altruísmo. Se não sou capaz de descartar o conforto em prol daqu’Ele que nos ilumina, serei capaz de ajudar o próximo e o desconhecido?
Aproveitei aquela hora para despertar e recuperar os desejos expressos na carta “A força de uma torre iluminada”. De pouco valem espíritos natalícios e promessas de renovação quando dificultamos a travessia no deserto, agarrados a oásis e tentações. Neste ciclo de guerras, invejas e futilidades, o crepúsculo parece anteceder, de facto, o fim. Todavia, guardo fé na alvorada, no brilho redentor que nos encoraja a vislumbrar porto seguro.
Na rota do incógnito – quiçá utópico – o sol que arrebata a tempestade serve de mote. Esperança.
Naquela alvorada não escutei egos, nem debates vazios. Uma das armadilhas desta travessia está no aproveitamento de instituições ou grupos para alimentar posturas cínicas, hipócritas e egoístas. No término deste trilho, a areia revela as pisadas, impercetíveis ao ingénuo olhar humano.
Já depois das 7h, o sábado primaveril era embelezado por sol e céu limpo. Porque toda e qualquer perspetiva sobre tempestades ou bonanças são meramente efémeras.
No jardim da cidade, apesar da hora, há trânsito e conversas cruzadas, enquanto dezenas se aglomeram na Flor, para cumprir o ritual do pequeno-almoço. A partir da icónica pastelaria, alguns oliveirenses preparam a habitual visita ao cemitério e ao (improvisado) Mercado Municipal, enquanto outros se encorajam para novo dia de trabalho. Por isso, há que forrar a alma e o estômago.
Já que a travessia é longa e desafiante, por que não debater sobre as mensagens subtis da fé? Para lá de edifícios, paredes e perspetivas sobre a religião e a Humanidade. Avanço com um exemplo. Naquele sábado primaveril, integrei a onda de conterrâneos que animou o Estádio Carlos Osório, em nova derrota da nossa Oliveirense. Face a um ano de mudança no clube – e particularmente mau no futebol – o que nos move? Fé e paixão. Um elo eterno.
Remeto para uma dádiva de Deus, desdobrada em todas as esferas do quotidiano. E admiro as diferentes perspetivas. Afinal, todos integramos esta travessia no deserto, na procura de porto seguro. Esperança.
Santiago de Riba-Ul, 14 de abril 2025