Jorge Gonçalves é uma figura nacional oliveirense com uma atitude bastante discreta. Nasceu em Carregosa e vive na Quinta da Ortiga, em Oliveira de Azeméis. Devem ser poucos os oliveirenses que conhecem este farmacologista que costuma ser visto frequentemente pelas ruas de Oliveira de Azeméis a dar as suas caminhadas ao lado da sua esposa.
Dirige o Laboratório de Farmacologia da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto, e deu recentemente uma grande entrevista ao jornal Expresso onde fala sobre o assunto do momento à volta do vírus COVID-19. As noticias sobre vírus pandémico de 2020 revelam ter sido descoberto um anti-inflamatório barato que um estudo da Universidade de Oxford aponta como o primeiro medicamento a aumentar as possibilidades de sobrevivência de doentes de COVID-19.
Sobre o tema, o oliveirese Jorge Gonçalves alerta na entrevista ao jornal Expresso para o perigo de as pessoas irem a correr para comprar a dexametasona e diz “se [essa corrida] acontecesse, seria uma catástrofe”. E adianta: “Fico perplexo desde logo pela forma como este estudo é anunciado, em que dizem que podíamos ter salvado muitas vidas. Isso é um bocadinho excessivo e abusivo”.
Leia na íntegra a importante e esclarecedora entrevista que Jorge Gonçalves deu ao jornal Expresso.
Um grupo de investigadores da Universidade de Oxford anunciou esta terça-feira que a dexametasona, um forte anti-inflamatório de baixo custo, é o primeiro medicamento a aumentar as possibilidades de sobrevivência de doentes de covid-19. Que fármaco é este?
É um dos clássicos da terapêutica, das coisas mais banais para qualquer médico e farmacêutico. Faz parte da família dos anti-inflamatórios mais potentes. É um medicamento muitíssimo conhecido, para o bem e mal sabemos quais as condições em que deve ser usado e quando não deve.
Que condições são essas?
Como anti-inflamatório é uma substância imunossupressora [que diminuiu a capacidade do sistema imunitário]. Portanto, quando administramos fármacos desta classe em infeções, no fundo estamos a abrir as avenidas para que a infeção se propague. A verdade é que esta notícia é surpreendente porque não traz nada de novo: além de o estudo ainda nem ter sido publicado [apenas foi divulgado um comunicado com os principais resultados], a dexametasona é um fármaco que faz também parte da família dos corticosteroides e que é muito usado em quadros inflamatórios. Quando um intensivista não sabe mais o que fazer, este é um dos medicamentos de primeira opção, é quase algo intuitivo. Existem relatos de que os intensivistas já os usavam normalmente e de forma lógica desde que se registou o primeiro episódio de covid na China. Já existem estudos sobre o assunto – nenhum ensaio clínico como o que agora é divulgado pela Universidade de Oxford e em que podemos comparar os efeitos dos doentes que tomaram este fármaco com aqueles que não o tomaram.
Dizia que este estudo o surpreendia. Como assim?
Deixa-me perplexo desde logo pela forma como é anunciado, em que dizem que podíamos ter salvado muitas vidas. Isso é um bocadinho excessivo e abusivo. Porquê? Estou convencido de que muitos intensivistas já têm usado estes fármacos. Se o doente está num quadro inflamatório tão intenso e com dificuldade em ventilar, tudo é tentado para que se possa melhorar a capacidade de o doente aguentar a ventilação. É um assunto que tem sido discutido – aliás, noutras infeções por coronavírus (SARSCoV, em 2003, e MERS-CoV,em 2008/2009), nos casos em que tinha de se optar por um último recurso com os doentes mais debilitados, era já usada a corticoterapia. É preciso estarmos conscientes de que isto não é uma coisa que vai mudar completamente a prática, até porque estou certo de que os bons intensivistas sabem como e quando podem usar isto e, muito provavelmente, muitos doentes em Portugal já foram tratados com dexametasona. Por outro lado, tal como aconteceu com a hidroxicloroquina, pode criar a ideia de que podemos ir a correr à farmácia tomar corticosteroides. A notícia pode criar a ideia de que se trata de um medicamento que qualquer pessoa pode tomar e, se isto acontecesse, seria uma catástrofe, porque nessas pessoas o que se estaria a fazer era a diminuir a capacidade que naturalmente têm de lutar contra o vírus. Estaríamos a facilitar a infeção e a propagação do vírus, podendo atingir as zonas do organismo em que parece ter mais apetência para causar problemas graves.
O que é que a dexametasona faz exatamente ao nosso organismo?
Temos no nosso organismo mecanismos que são inflamatórios e mecanismos que inibem a inflamação. E os corticosteroides [que são hormonas] inibem a inflamação. Estes medicamentos são potentes porque eles mascaram qualquer inflamação e, quando essa inflamação é de causa infecciosa, deixamos de ter os sintomas. Mas o que estamos realmente a fazer é criar condições para que a bactéria ou o vírus se multiplique e desenvolva sem atacar o nosso sistema imunitário.
Significa que estamos a esconder apenas os sintomas e a infeção continua a propagar-se?
Exatamente. Sabemos que a covid-19 pode não ser aquilo que parece. Todo o quadro clínico inicial decorre de uma inflamação exagerada, em que atacamos o vírus com uma resposta inflamatória, que depois vai ativar a imunidade para atacar. Acho que a agenda nos próximos meses é tentar perceber qual é a inflamação e saber como a podemos tratar. Tenho esperança que possa acontecer – e acho que vai acontecer quando deixarmos de contar apenas os mortos e começarmos a poder preocupar-nos com a origem – e vamos começar a entender a doença e a procurar formas de a tratar, mas isso implica um conhecimento muito detalhado da doença que ainda não temos. O que a dexametasona e os corticosteroides fazem é um silenciamento da inflamação quase de banda larga e isto tapa os sintomas, mas não vai a ser a abordagem adequada para o tratamento.
Não acredita, portanto, que o caminho para um tratamento seja este?
Não, não. Tenho muitas dúvidas disso. Para mim, o primeiro passo vai ser a outro nível. Mas isso é uma questão na qual estamos agora a trabalhar com uma equipa alargada, em que tentamos perceber a origem da inflamação. Se temos o vírus na orofaringe [zona que inclui língua, o palato mole, as amígdalas, e a parte lateral e posterior da garganta], que é onde o detetamos, porque é que ele só causa problemas quando atinge os pulmões? O nosso sistema imunitário é igual em todo o organismo e está muito bem representado na orofaringe. Se houvesse algum descontrolo na orofaringe deveríamos ter manifestações tão intensas e graves como quando o vírus chega aos pulmões e isso não acontece. O que se passa nos pulmões que faz com que aquilo seja um detonador? Por que motivo é que a inflamação se espalha de forma tão intensa? Se o vírus se propaga, ele entrava em determinado ponto e víamos o vírus a propagar-se de forma concêntrica. Mas não: é uma onda inflamatória que vai aos pulmões e depois vai para o coração e para os vasos. Porquê? Quando entendermos isto, talvez a solução esteja ao nosso alcance. Acredito que há algumas pistas que estão ao nosso alcance e na Faculdade de Farmácia, em conjunto com a Faculdade de Medicina e o Hospital de S. João, estamos a trabalhar nisso. Eu acho que o vírus nos está a enganar, estamos a olhar para o sítio errado. Até agora andamos focados em pensar nos doentes e começa a haver condições para pensarmos na doença e acho que há aqui uma esperança de nos preparamos de forma diferente caso haja uma nova vaga. Mas seguramente não é com a dexametasona.
Uma resposta
Concordo plenamente — é a leitura que também faço da doença. Estou um pouco mais avançado numa solução para eliminar a infeção nos Pulmões e aparelho respiratório, aguardado fazer um teste fora da CEE, para poder confirmar se solução que estudo elimina a infeção causada pelo vírus e em consequência se elimina o vírus e os sintomas da doença. Parabéns pela sua explicação sobre os efeitos da dexametona como medicamento : não é de todo uma abordagem adequada ao tratamento, antes pelo contrario e tenho duvidas que origem seja a Universidade de Oxford. Se assim o entender pode contactar pelo email para abordagem pessoal.