Nos jardins, bairros e fábricas de São João da Madeira há uma oliveirense a semear sensibilidade, munida de textos dos quatro cantos do globo. Daniela Silva floresceu no associativismo de Carregosa, edificou trilho enquanto atriz e produtora, e, neste ano, aceitou o desafio de promover sessões de leitura e representação junto daqueles que, de outra forma, não teriam acesso a estes conteúdos.
A morar no Porto – a propósito de um projeto de serigrafia – Daniela estaciona antes de Azeméis para conhecer diferentes perspetivas através do contacto artístico. Rodeada de anónimos, sobretudo adultos – alguns mobilizados à hora da sessão – há nacionalidades longínquas e jovens convencidos pela ideia.
Na esplanada do café central de Azeméis – palco já habitual para estas cartas – Daniela recorda como uniu forças com a sanjoanense Cátia Cardoso, dupla vitoriosa no concurso lançado por Teatro D. Maria II e Gulbenkian, e que encontrou no município de São João da Madeira fiel aliado para fundar o coletivo “Ponto!”. Nesta senda, outros municípios acolheram projetos semelhantes e reuniram as comunidades em reflexões sobre os mais variados temas – até gastronomia estrangeira.
Curiosamente, a estreia do “Ponto!” não aconteceu em São João da Madeira, mas no concelho natal de Daniela, numa sessão de duas horas dominada pela leitura, representação e análise à peça “Catarina e a beleza de matar fascistas”, de Tiago Rodrigues. Ora, momento ideal para recuar duas décadas, quando a protagonista desta carta desvendou o associativismo em Carregosa, estimulada pela família e motivada pela representação teatral.
As associações impactam vidas e merecem mais apoios. Por exemplo, várias pessoas “nascidas” na União Recreativa “Os Amigos da Terra” (URATE) de Carregosa são artistas. A freguesia alavanca a descoberta.
Entre sonhos, banhos de realidade e conquistas, os genes daquela freguesia ajudaram à fundação da “Bandevelugo”, companhia teatral que catapultou Daniela para as primeiras aventuras enquanto atriz e produtora. Nesta fase, à porta da bolha profissional, foi tentada a rumar a Lisboa. Todavia, o «racional» definiu a rota e o destino não desvaneceu.
Numa das várias sessões do coletivo “Ponto!”, Daniela e Cátia conheceram as perspetivas disruptivas de jovens provenientes de Colômbia e Argentina. Antes, foram surpreendidas por uma adolescente que, a propósito de um texto cómico, encontrou naquele grupo um porto seguro para se expressar.
Falta de contacto com a cultura, é uma relação que deve começar na infância. As escolas deveriam ser mais persistentes. E muitos políticos confundem cultura com entretenimento.
Apaixonada pela escrita de Válter Hugo Mãe, João Tordo, Luísa Sobral e George Orwell, pela leitura em papel – e a dar os primeiros passos na política – Daniela Silva sonha com a segunda temporada do “Ponto!”. Ainda que este ciclo em São João da Madeira termine em janeiro, os resultados alimentam as expectativas – quiçá o município natal da artista assuma a dianteira.
No sonho de Daniela está uma sessão no Museu de Artes e Ofícios de Carregosa, outrora biblioteca que impactou a infância, com leitura e debate sobre a obra “Mãe coragem e os seus filhos”, do dramaturgo e poeta alemão Bertolt Brecht – escolha a pensar na “intemporalidade da problemática”. Por isso, há planos para estender o “Ponto!” ao concelho, apostando também no espólio e legado de Ferreira de Castro.
Se Carregosa fosse um jardim, o cravo seria dominante, berço de artistas nascidos nas diferentes freguesias de Azeméis. Naquele pedaço de concelho há lugar e oportunidade, espelho da mensagem de Daniela, exemplo de uma geração recheada de talento, ambição, sensibilidade e voz crítica. Não são exuberantes no quotidiano ou nas redes sociais, mas impactam vidas pela positiva, o melhor que se leva desta aventura. Exemplares. Indispensáveis.
Santiago de Riba-Ul, 22 de setembro 2025


