Domingo, 8 de Dezembro de 2024
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Do lado certo da História

> Opinião de Any Onofre, professora e ex-vereadora da Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis.

Tudo o que eu possa dizer sobre esta guerra brutal e esta chacina imperdoável por parte de Putin à Ucrânia, já alguém o disse, com mais conhecimento, antes de mim. Aliás, uma imagem vale por mil palavras e as imagens que dizem tudo são imparáveis, um «Big Brother» de horror, diário, que só nos faz perceber a ponta do icebergue, do verdadeiro inferno vivido, ao vivo e a cores, por milhares de seres humanos como nós. Isto só se imagina… não se entende sem viver e não podemos sequer dimensionar tudo o que não vemos, mas não deixa de ser igualmente terrível. No entanto, mesmo com tudo já dito, há coisas que temos de dizer à nossa maneira, para as libertar de dentro do peito, para afirmar uma posição e não ser omisso, cobarde e Indiferente…

Começo por dizer que afinal o mundo não é uma total deceção. Não o mundo:  as pessoas. Há um cordão de solidariedade humana mundial que tem sido um muro fortíssimo que contrabalança com a brutalidade, o cinismo mentiroso, a maquiavélica máquina russa de massacre com o rosto de Putin e do seu séquito de lacaios. Tudo se desenrola na arena da Ucrânia, mas a guerra é maior, é contra um modo de vida, uma cultura ocidental e europeia que Putin abomina. Sozinhos na arena, embora com apoio de retaguarda, vemos a coragem de um povo que acredita na liberdade e não deixa de lutar, mesmo em situação de profunda desigualdade, por esse direito.

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Há também histórias de coragem, como a da jornalista russa, Marina Ovsyannikova, que mesmo sabendo que destruiria a sua carreira e arriscava condenação e pena de prisão, se insurgiu durante o noticiário oficial, contra a mentira da desinformação da máquina russa de propaganda na televisão do estado. Ou da idosa de 90 anos que foi presa por pacificamente exigir a paz e dizer não à guerra. Duas russas de uma brutal coragem. Como milhares de outros que certamente não se identificam com um ditador, um louco, um ser humano desequilibrado que decidiu rebentar com a paz no mundo e mudar, para pior, o rosto do século XXI. Por isso é preciso ver as pessoas, como pessoas, sem confundir os culpados com as vítimas. E o povo ucraniano, tal como a maioria do povo russo, são vítimas do velho jogo do poder dos tiranos que sempre existiram na história. Seres convencidos que são deuses, até caírem com os pés de barro estilhaçados… porque caem sempre!

Mas isto toda a gente sabe. O que eu queria dizer era outra coisa. Já não estou ativamente ligada ao mundo político, onde só entrei por um tempo, como vereadora da Câmara de Oliveira de Azeméis, sem saber muito bem onde me iria meter, mas com a certeza de duas coisas: nunca me obrigariam a filiar num partido, mesmo que simpatizasse com ele e nunca iria para um «poleiro», pois para mim um cargo político é sinónimo de serviço ao bem comum.  E em pouco tempo quebrei muita etiqueta, se calhar fui politicamente incorreta e criei alguns constrangimentos, como concordar com colegas da oposição, se tivessem razão, olhar para as pessoas, não para as suas cores e manter dentro de mim a certeza que nunca me dobraria a uma ideologia. As pessoas, sempre elas, foram e são a minha opção.

Hoje, bem mais velha, percebo a minha ingenuidade nessa altura, que acabou por resultar, pois fiquei amiga de pessoas de “todas as cores”. E é por pensar assim que sempre respeitei todos os partidos e ideias, sem nunca as confundir com ideologias. Sempre achei que um espectro político alargado equilibra os vícios de poder, não permite abusos, fiscaliza os desvios, mantém viva a democracia, põe no seu lugar os aspirantes a ditadores. Se calhar também é por essa razão que não gosto de maiorias a governar, mas essa é outra história… 

Talvez por tudo isto, ao pensar na posição de Portugal neste cenário brutal de uma guerra que vivemos do outro lado da TV e dos media, tenho orgulho pela sua posição inequívoca de condenação à Rússia como país invasor (que não se confunde com o povo russo, repito) e de total concordância com as sanções aprovadas, mesmo que nos vão «magoar» também a nós, europeus e muito. Estarmos do lado certo da História, é estar do lado humano, do que defende direitos e princípios universais, a liberdade, a democracia, as pessoas. E se for preciso ser duro, fechar portas, tomar medidas severas para o defender…seja!  

Não posso, contudo, deixar de dizer que estou tão chocada como dececionada com a liderança do partido comunista português, cujos membros sempre achei humanistas, mas que têm provado uma subserviência ideológica patética ao regime russo ao ponto de se manter do lado errado da História: a do agressor, do tirano, do antidemocrata, porque a ideologia cega a visão clara das pessoas e leva pessoas que sempre foram contra a opressão a não querer ver os opressores. Tem sido a mancha negra no enorme amarelo e azul que cobre a maioria dos portugueses, seja qual for o seu partido. E creio, aqui também, que muitos comunistas não se identificam com a posição dos seus líderes políticos…

Escolher quem nos governa é algo de uma tremenda responsabilidade. Os líderes mundiais, todos, decidem por cada um de nós e podem decidir mal

Fica, a propósito, outro apontamento. Escolher quem nos governa é algo de uma tremenda responsabilidade. Os líderes mundiais, todos, decidem por cada um de nós e podem decidir mal. Mas, num regime livre chegam ao poder pela via normal de uma escolha, o voto. Assim, escolher o lado certo da História passa certamente por não permitir que extremistas, partidos e pessoas que, curiosamente, têm sido financiados por regimes como o de Putin, cheguem ao poder e decidam mal.  A paz nunca é feita de ideologias cegas, de partidos que ditam leis imperiais, de posições inconciliáveis, de ideias nacionalistas. “Donald Trump” e “Jair Bolsonaro” não chegaram ao poder como Putin. Foram eleitos, com todas as tremendas consequências que todos conhecemos. Mas aguardando pela sua vez, na penumbra da política, do lado errado da História, temos potenciais líderes políticos como “Marine Le Pen”, “Alice Weidel”, “Matteo Salvini”, “Viktor Órban” ou “Santiago Abascal”. Pesquisem e percebam o perigo: pequenos «viveiros de putinianos» , que, no poder, podem arrasar com a democracia ocidental. Portugal também tem os seus…em embrião, é certo, mas o perigo é o mesmo.

Podemos não ter o poder de agir diretamente sobre uma guerra que nos deixa em desespero de impotência. Não conseguimos sozinhos derrotar Putin ou ditadores do seu género (não subestimemos o brutal perigo que é o regime chinês…), mas temos o poder de escolher quem nos governa, temos a liberdade de reivindicar direitos, temos a possibilidade de ficar do lado certo da História e escolher, sempre, quem defende as pessoas, o seu bem-estar e direitos humanos. Pode não parecer muito… mas é a base de tudo, porque no final, escolher ficar do lado certo da História é sempre a escolha de um coletivo onde cada um, individualmente, dá acesso ao poder a alguém que irá tomar decisões, em nosso nome…    

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