Domingo, 24 de Novembro de 2024
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Carla Pais vence Concurso de Poesia Agostinho Gomes

Carla Pais, residente em França, venceu a edição deste ano do Concurso de Poesia Agostinho Gomes, com o poema “A Cobiça das Nascentes”.



"A Cobiça das Nascentes"


"Diziam na aldeia que as crianças tinham fartura nos gestos de brincar
E que as meninas eram rebentos perigosos nas manhãs de calor
Sobretudo debaixo dos seus vestidinhos leves que as mães remendavam no outono,
sentadas ao lume, a antecipar a teimosia dos peitos que o verão faria medrar
Imaginando, talvez, a cobiça das nascentes que havia de lhes pousar na meninice.
Diziam na aldeia que as mães tinham dedos tortos para enxotar o vento do rosto dos
homens
E que as meninas atravessavam os dias com a primavera nos olhos e flores no cabelo,
Arrastando a inocência para dentro dos trigais.
Deitadas ao sol, as meninas, haviam de inaugurar a força dos sonhos estragados
Onde a tempestade se faria pedra e perdição,
Se pudessem ao menos calar as vozes velhas que se estendem para fora das janelas
Talvez as mães voltassem a agasalhar as meninas no ventre,
Para assim beberem todo o veneno que guarda a bainha de um vestido rasgado". 

João Cruz, de Febres, concelho de Cantanhede, distrito de Coimbra, ficou na segunda posição, com “Forma do silêncio”.

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"Forma do silêncio"


"A forma não se perdeu no forno
útero de pão
e palavras
Então que seja a cegueira a entrar na sílaba
e distenda lenha
ao quente dos versos
Que fungos fermentem
e concebam o pão
intumescido no poema
Silêncio".

“Economize-me”, de Tchello d’Barros, natural do Brasil, conquistou o terceiro lugar.



"Economize-me”


"Acontece que não vai fazer a menor diferença
A depreciação do câmbio pelo superávit primário
Nem a fuga de dólares com o boom das commodities
Ou o investimento flutuante em derivativos de debêntures
"
Para a catadora de sururu no mangue lamacento
que amamenta sua criança quando baixa a maré
Acontece que não vai fazer a menor diferença
A orçamentação cambial dos ativos de alta liquidez
Nem a alíquota dos lucros pelas tarifas alfandegárias
Ou a insolvência da desvinculação na receita da união
Para o cortador de cana que morre de exaustão
Antes de completar seus trinta e cinco anos
Acontece que não vai fazer a menor diferença
A debacle dos organismos multilaterais sem renúncia fiscal
Nem o colapso rentista via títulos pré-fixados
Ou o imperativo da capitalização pelo swap cambial
Para o velho coletador de materiais recicláveis
Imerso nos monturos do depósito de lixo municipal
Acontece que não vai fazer a menor diferença
Esses cálculos atuariais e seu déficit insolvente
Nem a revogação do pacto tributário na taxa Selic
Ou o tripé macroeconômico no epicentro do capitalismo
Para as meninas esfomeadas da periferia
que furtivamente colhem restos na xepa da feira
Acontece que acontece que acontece..."

O concurso é promovido anualmente pela Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis, através da Biblioteca Municipal Ferreira de Castro, em parceria com a Junta de Freguesia da Vila de Cucujães e o Núcleo de Atletismo de Cucujães, tendo como objetivo estimular a produção de originais de poesia e, simultaneamente, homenagear o poeta Agostinho Gomes, um grande vulto da poesia do município, natural da freguesia de Cucujães.

Espetáculo de Trigo Limpo Teatro ACERT

O público presente na cerimónia de entrega de prémios foi presenteado com o espetáculo de Trigo Limpo Teatro ACERT “20 dizer – a palavra com som, cor, corpo e alma”, um desafio artístico onde José Rui Martins e Luísa Vieira exploraram a musicalidade da palavra, cantada e teatralizada, voando em múltiplas geografias.

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