Sexta-feira, 31 de Janeiro de 2025
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Ferreira de Castro, o Nobel de Azeméis

> Por que motivo a CMOAZ não pressiona o Governo para introduzir obras castrianas no plano curricular obrigatório, questiona Samuel Santos nesta sua Carta de Algibeira.

Corria o ano de 1925 quando “A Capital”, de Eça Queirós, foi publicado, a título póstumo. Este romance – que inspirou, inclusive, esta ideia das cartas – relata a história do oliveirense Artur Covelo, da vila natal até Lisboa, entre boémios, sonhadores e jornalistas. Quis o destino que, nesse ano, José Maria Ferreira de Castro – nascido no lugar de Salgueiros, em Ossela, em 1898 – se aventurasse pela capital, embalado pelo sonho literário e jornalístico edificado no Brasil, na conturbada adolescência.

Seria Ferreira de Castro um viajante no tempo? A opinião é unânime entre castrianos, tal a atualidade dos temas abordados. Para lá da luta pela Democracia, Ferreira de Castro perdura como um pensador disruptivo. Nas últimas décadas de vida, enquanto o país evoluía para Abril, este oliveirense foi abraçado por multidões, sobretudo no norte, interior e em Sintra, vila pela qual se apaixonou. E com mérito, graças ao genial espólio edificado.

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Como contado por Hugo Ferreira em 2020, aquando de uma visita à casa museu, “não temos noção da grandiosidade de Ferreira de Castro”. De facto, o sucesso de várias obras, com “A Selva” à cabeça, elevaram o letrado ao patamar de o português mais traduzido no mundo – somente destronado por José Saramago – e à indicação para o Nobel da Literatura em 1951. De Espanha ao Japão, do Brasil à China, os relatos de Ferreira de Castro – aliados ao humilde trato – valeram a este pensador um valioso crédito.

De tal forma que era estimado por Jorge Amado, admirado por António Homem Cardoso, por Mário Soares e Saramago, e o motivo pelo qual Portinari interrompeu a pintura dos painéis que embelezam a sede da ONU.

“Em muito podeis aperfeiçoar o mundo e a vós próprios. Mas não é de joelhos que o fareis; é de pé e a lutar!” – “O Senhor dos Navegantes”, 1954

O percurso de Ferreira de Castro é digno de epopeia, uma vez que partiu com 12 anos, a solo, para o Brasil, na esperança de enriquecer. Contudo, foi entregue à extração de borracha. Ainda assim, encontrou salvação na biblioteca de Belém do Pará, onde se inspirou para compor o “Criminoso por Ambição”, o primeiro romance. Um passo decisivo.

Regressado a Portugal em 1919, aventurou-se em Lisboa, exposto à pobreza e fome. Uma vez mais, agarrou o destino. Entre publicações – em 1928 desvendou “Emigrantes” – anunciou “A Selva” em 1930.

Nesse ano, perdeu a companheira, Diana Lis, falecida precocemente, com tuberculose. Uma perda que, por vários motivos, obrigou Ferreira de Castro a recuperar num manicómio madeirense. Aquando do regresso ao continente, foi dado como renascido.

Cansado da censura, deixou o jornalismo em ‘34. Quatro anos volvidos casou com Elena Muriel, artista espanhola que fugiu da guerra civil e resgatou o coração de Ferreira de Castro.

Seguiram-se epopeias, viagens e distinções. É cidadão honorário do Rio de Janeiro, foi alvo de inúmeras homenagens e “A Selva” foi reconhecida pela UNESCO como um dos dez romances mais lidos no mundo (1973). À freguesia natal doou a casa e ordenou a construção de uma biblioteca. Quanto a Sintra, doou grande parte do espólio.

Nos últimos meses de vida, Ferreira de Castro celebrou Abril, até porque nunca receou o combate ao Estado Novo. Um mês depois de participar no 1.º de maio de ‘74, sofreu um AVC, em Macieira de Cambra. E partiu a 29 de junho, no Porto.

Por vontade própria foi inumado na Serra de Sintra – ao contrário de Diana Lis e Elena Muriel, sepultadas em Ossela.

“O processo de translação entre o Porto e Sintra fora demorado, pelo facto de várias localidades pretenderem prestar homenagem” – “Na Peugada de Ferreira de Castro”, 2020

Em Ossela, desço até às margens do Caima, onde Ferreira de Castro se divertiu na infância. Naquela tela está representada a paixão pela natureza, pela autenticidade.

Sob risco de a grandiosidade deste oliveirense superar qualquer homenagem, convenço-me de que atribuir o nome a uma biblioteca ou a um agrupamento de escolas não faz justiça ao legado. Por que motivo a CMOAZ não pressiona o Governo para introduzir obras castrianas no plano curricular obrigatório?

Face ao descrito, Ferreira de Castro acumula créditos para figurar a par de Eça, Fernando Pessoa, Saramago, Sophia de Mello Breyner, Almeida Garrett, Luís de Camões, Cesário Verde, entre outros. Devemos essa homenagem, que extravasa as escolas e cumpre um desejo do autor: fomentar a literacia.

Escasseiam os caracteres nesta carta, mas convido-vos a lerem “Na Peugada de Ferreira de Castro”, publicada em agosto de 2020 no sinalAberto. Tive o prazer de compor essa reportagem, com o precioso contributo de Hugo Ferreira, Ricardo Alves, Rui Luzes Cabral, Teresa Valente e Elisabete Tavares.

Santiago de Riba-Ul, 16 de janeiro de 2025

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