Domingo, 7 de Dezembro de 2025
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O verão transforma e encoraja, de Azeméis a Glasgow

> Com o final de verão, o jornalista Samuel Santos fala da viagem - e traça comparações - de Azeméis a Glasgow.

Na pacatez noturna de La Salette, a valsa entre a brisa e as folhas é interrompida pelo imponente camião que leva o rasto das festas de agosto – as últimas peças dos “carrinhos de choque”. O término do verão anuncia-se paulatinamente, inaugurando o terceiro e penúltimo patamar do ciclo de folhagem – porventura o mais belo, a transformação para tons vermelhos, laranjas e castanhos. É desse abraço antecipado do outono que me recordo no silêncio de Balloch, no norte da Escócia, de mochila às costas e sapatilhas molhadas, num tapete verde imaculado e sem fim.

De Glasgow a Loch Lomond, de Paisley a Glen Coe, são inúmeros os elos com Portugal – a mitologia, os heróis, a fé, as paisagens, os monumentos. Mais importante, a amabilidade das pessoas. Para lá do cerrado dialeto e da paleta de tons escuros – verde, cinza, castanho e azul – os escoceses destacam-se pela espontaneidade e pelo humor apimentado – a nivelar pelo picante na cozinha. A bitola é geralmente pacata, ora abençoada pela natureza, ora animada por clássicos dos britânicos Cranberries, La’s, Beatles, Smiths, Oasis e Amy Macdonald.

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Todavia, as diferenças para Portugal são evidentes. Ainda que a milhas da nossa gastronomia, os escoceses priorizam a organização urbana e a cultura. Por isso, o acesso a museus, exposições em universidades e catedrais é gratuito. Em simultâneo, abundam transportes públicos – de pontualidade exímia e qualidade distinta – os cães passeiam sem trela e junto aos donos, e não há animais abandonados. Na certeza da inexistência de nações perfeitas, os destinos idílicos são aqueles que oferecem referências sobre os contextos que continuam por atingir.

Para lá de cães, corvos, pegas, esquilos, bovinos Highlands – donos de franjas ímpares – de jardins sem fim, do céu cinzento e azul, montanhas e lendas, no coração fica a vontade de regressar à nação do guerreiro William Wallace, que personificou a essência do cardo – símbolo floral da Escócia.

São as derradeiras memórias de um verão vívido e inesquecível. E a folha envelhece, transforma-se e cai, para que outra se anuncie. O silêncio de La Salette permite recordar momentos e analisar o saldo emocional. Enquanto parte da natureza, também a alma se adapta, abre mão de elos, concretiza sonhos e aponta a novas quimeras. Depois desta sensação de flutuar, a alma tem depósito cheio para novos capítulos.

De Azeméis a Toulouse, do Gerês a Paisley, do Porto a Aveiro, de Ovar a Castanheira de Pera, o verão fez-se de desafios, lições, aventuras, caminhadas, chuvadas e queimaduras, tropeções, parágrafos apagados, convívios, debates e elos reforçados. Em suma, um verão gratificante.

De regresso a Azeméis, o frenesim das eleições interrompe estradas, pinta rotundas com cartazes, entulha caixas de correio e redes sociais. Mas, essa carta vai surgir na noite designada. Por agora, o céu de La Salette preenche-me com paz, convidando a flutuar no lago.

À família, aos amigos do peito e a quem dá sentido às cartas, Santiago de Riba-Ul, 18 de setembro de 2025

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