Novembro de 2019, noite fria e pacata nas imediações do pavilhão da Escola Livre de Azeméis (ELA). A propósito de uma reportagem académica, mergulhei na história do clube. Sem saber, naquelas semanas vivi o meu primeiro capítulo junto do núcleo escolar.
“O imaginário democrático do catalão Francisco Ferrer, que se atreveu a edificar um projeto educativo e social, alimenta as aventuras deste clube (…). Recuamos a 1907, quando (…) Azeméis acolheu as Escolas Livres da Província da Beira, desenvolvendo atividades ligadas à agricultura, artes e desporto. (…) Quando a ditadura isolou Portugal, a criação da secção de hóquei (1923), serviu de mote para a oposição. Com Marianne, símbolo da República, a ELA expressou a sua ideologia. Por pressões, o destaque foi ocupado por uma sacerdotisa, que segura a vela da esperança.”
A descrição de ecletismo pertence a Johnny Martins, na reportagem “Escola secular, de liberdade, sonhos e resistência ao tempo”. Por ali dormia um gigante adormecido, uma “Santinha” de brilho intermitente. À data, remetia este pavilhão para os domingos de futsal com o meu pai, ou para as aventuras da minha madrinha – e tia – de patins a fumegar e stique em riste.
Há seis anos e meio havia sede de um rumo firme, alumiado por um brilho sustentado. Entretanto, o pavilhão – já em renovação – serviu de igreja improvisada, solucionando a “esparrela” montada por uma minoria.
Quis o destino que surgisse a oportunidade de acompanhar o processo de reestruturação, entre abril e junho de 2021, quando regressei à rádio local – escape ao mestrado em conclusão. No final dessa época, presenciei o regresso da patinagem artística e as desaventuras dos seniores masculinos até à II Liga. Na memória prevalece a epopeia até Sacavém, para a derradeira jornada, frente ao Sporting B. Em família, o autocarro partiu repleto e animado, até o motor dar o “badagaio”. Em plena autoestrada, aguardámos por solução e alguns rezavam para que a hora não avançasse. Nada que gargalhadas e petiscos não resolvessem.
À parte da intensa narração radiofónica e da vitória inglória, insuficiente para o título, o regresso fez-se em paz e camaradagem. Sentia-me acolhido e estes episódios espelham a essência escolar – o motor para rejuvenescer.
Quatro anos decorridos, entre empreitadas e semanas sem dormir, a Escola Livre retomou a veia eclética – com artes marciais, automobilismo e formação de hóquei – e recuperou um dos pilares, a equipa sénior de hóquei feminino. Em simultâneo, a renovação de infraestruturas e a comunicação digital permitiu aprimorar os elos. É um caminho exigente, ao alcance de poucos.
“Tu és a estrela que guia o meu coração” – Carminho
Março de 2025. A estrondosa conquista da edição inaugural da Taça WSE, pelas guerreiras da “Santinha”, confirma o sucesso do rumo adotado. Ademais, sublinha a viabilidade das modalidades femininas, aspeto a recuperar em Azeméis.
Há seis anos escrevi: “O sonho escolar, abençoado pela sua santinha, perdura no tempo”. A maior conquista está no rejuvenescer do legado secular e no concretizar do sonho democrático: formar o futuro em prol de uma sociedade íntegra.
“E diz o inteligente que acabaram as canções” – Fernando Tordo
Na Escola Livre de Azeméis reside Abril e uma ambição que adivinha a primavera da “Santinha”. Muitos parabéns à família ELA. Que nunca vos falte a coragem!
Santiago de Riba-Ul, 27 de março de 2025