Quinta-feira, 26 de Dezembro de 2024
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O último reduto da Democracia

> " A “alergia” a investir em informação isenta, profissional e detalhada é um problema cultural a combater".

A música esvai-se no término do minuto 59, enquanto o inconfundível sinal sonoro da hora certa alerta para o bloco noticioso. É um ritual distinto, protagonizado por vozes às quais nos afeiçoámos, mesmo desconhecendo a pessoa. Essas vozes auferem humanismo às notícias, já que o timbre e as respirações acentuam, ou atenuam, a seriedade dos temas, transformando as palavras e as sonoridades em telas. Esta é a magia da rádio.

Em alternativa, pela manhã, há ainda quem invista um singelo euro para ler e folhear a atualidade, do próximo, do inatingível e do inimaginável. A sensação olfativa do jornalismo impresso emprenha-se na mente e alimenta o entusiasmo em torno de peças condenadas à efemeridade e reportagens que nos desvendam o Mundo e o “vizinho”.

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A rádio e o impresso são pilares do jornalismo regional e, por isso, da democracia local. Todavia, face à banalização da “informação” e da iliteracia, este reduto acelera para a extinção. O mês de novembro revelou-se amargo em Santa Maria da Feira, concelho no qual o Correio da Feira suspendeu atividade. Em comunicado, é sublinhada a escassez de assinantes e de apoios, e, consequentemente, a impossibilidade de financiar um jornal quinzenal. O ponto final no legado de 126 anos.

Nestes momentos há sempre oportunos hipócritas que desferem dedicatórias e lamentos, ou que avançam com soluções milagrosas. Aproveito o embalo para retomar a bandeira hasteada no ensino secundário, e que serviu de base para o relatório do mestrado.

A Democracia, como sabemos, assenta, entre outros direitos, na liberdade de informação. Evidentemente, sem jornalismo – sobretudo no âmbito regional – o poder político será editor sobre o conhecimento público, escudado em assembleias municipais orquestradas. Aliás, face ao panorama em Oliveira de Azeméis, essa vontade – inerente a políticos e empresários – foi facilitada.

Numa breve análise às últimas duas décadas, o centenário Correio de Azeméis perdeu relevância, refém de publicidade, necrologia, eventos de agenda e entretenimento. O teor noticioso esvaiu-se, não por escassez de capital. Em simultâneo, a Azeméis FM permanece entregue a práticas – e meios – do século XX, enquanto a Caima FM foi, inevitavelmente, silenciada. Por fim, a Azeméis TV segue a matriz da “irmã” do impresso. Escrevo-o com lamento, somente, pois também cresci naquela casa, em três ciclos (2014, 2016-17 e 2022).

Em suma é um conglomerado centenário, outrora capaz de fomentar a reflexão crítica. Todavia, pelo comodismo, serviços mínimos e ideais perdidos no tempo, banalizou-se. Basta observar as dinâmicas nas redes sociais e folhear cada edição impressa. Uma vez debilitada, esta referência jornalística acabou manietada pelas forças políticas e empresariais, cercada de chantagens.

Nos últimos anos, Azeméis assistiu ao surgimento de uma alternativa na comunicação social, ocupando o vazio deixado pel’A Voz de Azeméis. Refiro-me, claro, ao Azeméis.net, uma aposta no jornalismo digital, sem abandonar as lides do papel. Em todo o caso, o projeto reside numa dicotomia.

Se, por um lado, apresenta um “modus operandi” aproximado de 2024, a verdade é que permanece sustentado numa só pessoa – o fundador – face aos escassos apoios. Apontemos ao exemplo do Correio da Feira: as propostas de financiamento vão surgir depois de o fósforo arder? Nesta profissão de rápido desgaste – sobretudo quando se assume esta hércule missão – os apoios do município, associações, clubes, empresas e assinantes revelam-se fulcrais.

Trata-se de perspetiva e boa vontade. A “alergia” a investir em informação isenta, profissional e detalhada é um problema cultural a combater. Nesta era de empresas noticiosas – tantas vezes em contrarrelógio, a produzir “rápido e bem” – apenas assim será possível continuar no mercado. Caso contrário, a influência recairá nos patrocinadores e nas forças políticas, como é evidente em tantos casos regionais e nacionais. De notar que o jornalismo esvazia-se quando se receia escrever ou questionar, antevendo represálias fatais. Nesse momento, cruzamos a linha que nos separa dos gabinetes de comunicação. 

Um rumo sem retorno

Em alternativa, o que sobra: o diário do distrito, um canal televisivo alegadamente regional e a comunicação social das metrópoles. Ou seja, agravar-se-ia a banalização da “informação” nas redes sociais, enquanto o sentido crítico cairia por terra, num concelho – aparentemente – acomodado nos próprios males.

O primeiro passo para a solução deve ser dado nas escolas, e um ótimo exemplo subsiste, há quase 26 anos, na Básica e Secundária Ferreira de Castro. A Rádio Impacto, projeto pelo qual me apaixonei, ajuda a contrariar a resistente perceção de que “os jovens não se interessam pelas notícias”.

Numa futura carta recordarei a era “Rádio Impacto” e “A Tua Hora”, programa semanalmente transmitido em direto na Azeméis FM, de agosto de 2016 a abril de 2017, ao lado do meu amigo João Francisco Silva. Fomos o principal assunto na rede social Twitter em várias edições, fruto da massiva participação de jovens, até de outros distritos e países, como França. Portanto, os mais novos estão atentos, é preciso os adultos os ouvirem. Ademais, nas redes sociais proliferam projetos de jovens interessados na atualidade de Azeméis, da cultura ao desporto.

Bom, esgotei os caracteres e a paciência dos leitores

De Santa Maria da Feira chegam alarmes sobre a urgente necessidade de evoluir. Progressão como um todo, de maior financiamento local – porque os fundos europeus tardam e a vontade do Governo é ambígua – e aceitação da génese jornalística. É um percurso que leva anos, senão décadas, mas a diferença de uma pessoa é notada quase no imediato.

Um brevíssimo exemplo. No verão de 2022, antes de redigir a edição especial das Festas de La Salette para o Correio de Azeméis, foram organizadas dezenas de entrevistas e programas especiais. E não precisei de procurar a reação dos munícipes, pois de livre vontade expressaram-se entusiasmados. Este é um exemplo entre dezenas, daqueles meses do terceiro e último ciclo no conglomerado centenário. “Estamos a assinar o óbito da Imprensa”, lê-se no Correio da Feira. Evitemos este fim para a comunicação social de Oliveira de Azeméis. Sem jornalismo, não há Democracia.

Santiago de Riba-Ul, 12 de novembro de 2024 Ao som de Arctic Monkeys e The Smiths

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