As noites com a avó à lareira e o fascínio pelos “tempos brancos” transformaram João Amorim no Cesário, criador de histórias, impulsionador de projetos inéditos e “filho” da Banda de Carregosa, onde toca trombone desde 2004. Sentado num dos sofás do café central de Azeméis – palco de tantas cartas – o inconfundível carregosense arruma cadernos e abre o coração.

De Cesário para Jeremias – ou de João para Samuel – há sonhos nos caracóis e críticas que afinam o bigode.
“A minha avó nasceu no princípio do século XX, era analfabeta, mas tinha uma noção performativa incrível. Então, na infância, ainda antes de entrar para o teatro, já sentia atração pela criatividade. Não tinha internet, nem televisão por cabo, estava obrigado a ocupar o tempo de forma diferente. Estes “tempos brancos” são importantes para exercitarmos a imaginação”.
Da Academia de Música de Azeméis para a “velhinha” Secundária Ferreira de Castro, João Amorim fez o curso profissional de Design por obrigação, na certeza de que o futuro passava pelo teatro. Por Coimbra estudou, agarrou oportunidades e deu a volta à «lapada» do universo profissional. Até que decidiu regressar.
O que mais gosto é trabalhar em comunidade. Se for junto dos meus, melhor. Em Coimbra continuaria a ser o aluno de condução.
Ávido de inaugurar uma nova era na cultura regional, juntou-se a Daniela Amaral Cardoso para inaugurar a Bandevelugo, “a primeira companhia de teatro profissional em Oliveira de Azeméis”.
“Foi o meu primeiro grande projeto. Surgiu na pandemia, sem saber o que exigiria. Começámos com “A Tempestade”, o último texto de William Shakespeare, e com estreia em casa [Carregosa]. Éramos dez atores e toda uma equipa envolvida. Atuámos em quase todas as freguesias, apenas Ossela e Macieira de Sarnes não responderam à oferta”.
“Tivemos salas por esgotar, mas igualmente especiais. Em São Martinho da Gândara, no centro paroquial – uma sala complicada – num domingo de muito frio, tínhamos 20 pessoas presentes, com a média de idades a rondar os 60 anos. Foi um dos espetáculos mais bonitos daquela digressão, porque as pessoas reconheceram que merecem esta oferta cultural, de dimensão e complexidade considerável”.
Seguiram-se inúmeras demandas – como “O Tardo”, junto à Capela de Nossa Senhora das Flores, em Travanca – por norma com financiamento público e apoio da Câmara Municipal, que tem por João Amorim elevada consideração. Ainda que honrado e grato, o artista não se demite de ambicionar algo maior para Azeméis. A começar pelo Caracas. Perdão, TeMA.
“Não podemos ficar contentes só porque temos uma sala confortável e climatizada. Deve existir uma linha cultural, uma missão. A comunicação restringe-se a escrever sobre salas cheias. O que fica de cada espetáculo? O que distingue a programação? Quem programa conhece o concelho? É a diferença entre um padre e um pároco”.
“Noutros concelhos lembram a referência que fomos em ‘60 e ‘70, pela rica e exclusiva programação de cinema. Por exemplo, em Ílhavo, no projeto “23 Milhas”, há uma linha muito rica, sem a arrogância de cingir faixas etárias a determinados conteúdos. Mas também existe uma estrutura de comunicação e houve paciência para criar público. Não basta chapar cartazes nas paredes”.
O TeMA deveria estar aberto às pessoas. Tal como as praças, o teatro é um lugar de agitação e de encontro. Há, infelizmente, a diabolização do público.
Depois de levar ao TEMA – em dose dupla – o espetáculo “4 Estações”, no qual reuniu mais de 100 seniores em volta de várias disciplinas e das respetivas memórias, João Amorim centra atenções no “Tumor”, projeto sobre os 50 anos do 25 de Abril e edificado com a Banda de Fajões e Pedro Lima – compositor bracarense em ascensão na música erudita e contemporânea, figura habitual na Casa da Música (Porto).
“É algo de uma potência ímpar e está a acontecer no concelho. Envolve também atores e uma equipa de design. As pessoas que suportam a estrutura da banda são de um profissionalismo inacreditável. E trabalham por amor à camisola. É preciso defender e valorizar estas pessoas. Quero que este percurso deixe marca”.
O “Tumor” sobe ao palco do TeMA a 7 de dezembro (16h30). No dia seguinte atua no Centro Cultural de Vila Flor, em Guimarães.
Ambiciono que a Bandevelugo trabalhe de forma regular, próxima e presente, para criar raiz em Azeméis
O Cesário – ou João Amorim – floresce sem espalhafato, mas com lustre distinto. É o presente e o futuro, força motriz para rejuvenescer a essência de Azeméis. Coragem, meu caro, em prol do teu serviço público. Feliz o momento em que cruzámos caminhos. Em frente!
Santiago de Riba-Ul, 17 de novembro de 2025


