Sapatos engraxados, voz afinada, colete arejado, camisas e calças engomadas. O fim de semana que se avizinha parece arrancado de um filme do princípio do século XX, películas com o dom de condensar peripécias em sequências imprevisíveis. Neste caso, o Mercado à Moda Antiga – para muitos o melhor fim de semana – prevê-se pleno de loucura.
Enquanto Azeméis se pinta de branco, preto, vermelho e amarelo para recuar nos séculos – e em tons de dérbi aveirense, no basquetebol – o país mergulha em decisões eleitorais e futebolísticas, além de se enamorar pelos NAPA, na Eurovisão. E o concelho não escapa à onda.
O panorama do Mercado à Moda Antiga deve ser fiel ao princípio do século XX, pelo que o ideal será recorrer à telefonia na tarde de sábado, a fim de receber as novidades desportivas. Ou arriscar no “passa palavra”, sob risco de a mensagem chegar desatualizada, não vá o VAR rever o desfecho. Contrastes geracionais. Terminada a febre de basquetebol e futebol, milhares aglomeram-se no centro, entre fardos de palha, música, grupos folclóricos, gargalhadas, mesas e bancos de madeira, copos de barro, Papas de S. Miguel, carnes a assar, brindes, reencontros, fumos e candeeiros a petróleo.
Quanto à escassez de espaço, a paciência é o melhor remédio. Aproveite e celebre!
Madrugada dentro – já a cortina havia caído sobre a Eurovisão – os repetidos “convites” das autoridades para encerrar as bancas não demovem os foliões. “A noite é uma criança”, atira um conterrâneo, enquanto mergulha o enésimo rojão de ressô na sangria. De facto, o fecho é imprevisível.
Poucas horas volvidas, o domingo amanhece com aromas entranhados. O derradeiro dia de Mercado é inaugurado por artesãos, barbeiros, floristas, pasteleiros, padeiras e demais comerciantes, num ápice a postos. Entretanto, em Santiago de Riba-Ul, o sol e a brisa unem forças para me recarregar a energia, enquanto visto nova camisa, retomo colete e sapatos, agora adornado com um cravo. Afinal, é domingo eleitoral e de Mercado.
Depositado o voto na urna – de esperança rejuvenescida – retomo a rota da cidade, determinado em suspender os pensamentos sobre o estado da nação. E deparo-me com nova enchente. Não confere novidade, mas enche a alma. Quão bonita é Azeméis repleta de conterrâneos e forasteiros, numa tela distópica e contrastante entre séculos e gerações. Os mais velhos reforçam a nostalgia, enquanto os mais novos conferem ocupações e saberes de outrora.
Venha daí esse fim de semana caótico e efémero, sem horários e repleto de histórias. Quiçá, um novo meteoro pinte o céu de azul e verde. Certo é que os votos vão demorar
a contar, as cores do Governo vão alternar – assim como dos campeões – mas o legado
iniciado em 1997 por D. Maria Calejo e pelo Grupo Recreativo, Associativo e Cultural de
Cidacos vai prevalecer. Este é o fim de semana que fortalece laços e reforça o sentido
de pertença.
Em suma, são momentos que reforçam a mensagem do magnífico tema “Deslocado”,
dos NAPA. Um hino do Mundo.
Brindemos! Aos pais e aos avós, aos antepassados que fizeram das tripas coração, a
nós, ao presente e ao futuro. Celebremos. De preferência, em Democracia.
Santiago de Riba-Ul, 14 de maio de 2025
Escrito ao som de NAPA, Diabo na Cruz e Capitão Fausto