Sexta-feira, 19 de Abril de 2024
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Ética: se não quiserem não façam, mas não impeçam os outros de fazer

> Opinião do Prof. Dr. Carlos Costa Gomes, professor de Ética e Bioética (ESSNorteCVP) e presidente do Centro de Estudos de Bioética.

No debate social sobre temas bioéticos concretos e que nos pedem tomadas de posição é cada mais usual ouvirmos como argumento o seguinte: “se não estão de acordo com determinada posição, têm todo o direito de pensar o contrário, mas não impeçam de o fazer as pessoas que pensam de maneira diferente”. E sustenta-se que o que está em causa é a liberdade e autonomia individual face a ações e decisões de natureza pessoal e social.

Para melhor compreensão, aludimos a um caso verídico de um senhor com considerável fortuna tendo já uma filha e que volta a contrair matrimónio pela terceira vez com uma senhora já grávida de seis meses de outro homem. Após doze anos de vivência conjugal, o senhor decide adotar este filho e, anos depois, morre. O filho da terceira mulher, que se tornou adotivo do marido defunto, herdou uma enorme fortuna. Porém, o filho adotivo entrou em desavença com a mãe, por causa dos bens. A mãe, já viúva, em menopausa, e dispondo do semen do marido falecido, recorre à gestação de substituição e acompanha a gestação de duas filhas (EUA), destinadas a herdar também a sua fortuna (M. Renaud).

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Em poucas linhas fica claro a grande complexidade ética e bioética que, não raras vezes, acontecem em ambiente familiar. O que pensar deste caso? A lei permite e por isso não foi violada. Mas será eticamente correto e aceitável recorrer às técnicas de PMA e à Gestação de Substituição para este fim. Não será que estamos a instrumentalizar e a reificar a vida humana, tornando-a no meio e não num fim; numa finalidade que tem por objeto fazer nascer uma vida (neste caso duas pessoas) para um fim que não é o delas, mas por uma questão de herança?

A liberdade e autonomia individual merece a nossa atenção. De facto, é pela autonomia e liberdade que podemos exercer os nossos direitos. A Questão coloca-se não a nível do Direito, mas a nível Ético. E com base no argumento acima referido – se não quiserem fazer não façam, mas não impeçam os outros de fazer – chega-se à conclusão que a ética só interessa quando o meu interesse é realizado; chega-se à primícia de que ética só serve se for feita à medida do que queremos e desejamos, mesmo que para isso tenhamos que usar como meio o ser humano. E será porque posso fazer, devo? Nem tudo que a técnica (e o direito) permite fazer é eticamente aceitável e desejável realizar. A ética não é poder. Mas dá-nos o poder de poder tomar, responsavelmente, as melhores decisões, e as melhores decisões que não firam nem agridam a dignidade da vida humana. Fazer nascer, por que se pode e a técnica e o direito concedem, uma criança para uma finalidade prevista e programada, para além de ser eticamente indefensável é ofender a dignidade intrínseca e indelével de ser pessoa. Por isso, há ações e decisões que a ética impede quando, por princípio, assumimos que as nossas decisões se devem basear numa ética fundamental e não basearmos a ética meramente na “utilidade” das nossas decisões.

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Uma resposta

  1. Acho um tema muito interessante, onde percebemos que muitas decisões no âmbito do Direito, não têm dimensão Ética. Quando isso acontece, o que prevalece? A lei mesmo não sendo ética, ou esta à revelia da lei? Parabéns ao autor. Um tema propicio a encetar uma reflexão sobre o tema.

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