Da Igreja Matriz ecoam nove badaladas, a hora indicada para o encontro das duas dezenas que planeiam caminhar até Ul, alumiados por candeias. Ora a óleo, a cera, ou a pilhas. A noite de sábado é gelada, cristaliza o silêncio e convida ao retiro, até porque as nuvens não se avizinham amistosas. Todavia, o desígnio passa por revisitar ruas pacatas e descobrir trilhos – em cinco quilómetros – alcançando a rejuvenescida festa de S. Brás.
Esta romaria até Ul nasce do espírito insaciável da Associação Cultura e Recreativa de Vilar (ACREV), humilde grupo sempre apto para desafiar o instinto aventureiro, independentemente das causa ou condições. São portadores de uma loucura saudável e contagiante. Ajustados os gorros e quispos, a pequena mancha laranja segue animada, ecoando pela cidade despida e despertando a curiosidade.
A noite é de celebração em honra a Nossa Senhora das Candeias e a S. Brás. A luz de anunciação e redenção almeja alumiar a mente, para que a garganta corresponda, como ensinara S. Brás. Entre chuviscos, conversas cruzadas e foguetes, alcançámos o coração da festa, antecipado por passeios atulhados de carros e roulottes, e estradas apetrechadas de condutores impacientes.
“Apressem-se, entrem”, indica uma das caminhantes, escancarando a porta da imponente Igreja de Ul. Ora, antes da ceia, uma surpresa. No interior, os painéis e a talha dourada eram ofuscados pela majestosa tela de antúrios – vermelhos, verdes e tom salmão – rosas brancas, cravos vermelhos, orquídeas rosas e lisianthus. E o aroma? Irresistível, ainda que fatal para as alergias. Entretanto, no púlpito, a anfitriã gaba-se, mas salienta a gratidão pelo acolhimento naquela noite. Afinal, é esta a essência da ACREV.
Nas costas, de “pantufas”, dezenas de fiéis entram na igreja, curiosos sobre estes “peregrinos” das candeias, encontrando o motivo para contemplar a tela floral e as figuras religiosas. O relógio há muito dobrou as 22h00, pelo que nos instalamos num palco para cumprir a tradição, em amena cavaqueira e rodeados por padinhas, regueifas, compotas, manteiga e vinho do Porto. Ao fundo entoam os sucessos de Quim Barreiros, cabeça-cartaz da festa e razão para a afluência de centenas a Ul.
“De onde vindes?”, interpelam curiosas, enquanto dezenas de olhos analisam o aparato das candeias e dos agasalhos. Entre festeiros, camisas e vestidos, destoávamos. Viemos do silêncio citadino, na procura do calor da tradição, e encontrámos uma festa rija e ressuscitada – o termo indicado para um palco montado a par do cemitério, numa paisagem antagónica.
De alma alumiada e estômago reconfortado, arrancámos para a longa subida de regresso a Azeméis. Antes, refletira – ao som de “tio” Quim – sobre a coragem de os “ulenses” se reunirem numa comissão e edificarem um programa atrativo, extravasando o concelho. Serve também esta carta para elevar o seu altruísmo e desejar prosperidade.
Antes da despedida, o núcleo da ACREV recorda manhãs de demanda por trilhos e matos desconhecidos. Como referi, são loucos cuja companhia prezo. Para a alvorada seguinte há nova aventura agendada, antes das oito da manhã. Nem as tempestades os travam, é só mais um domingo para esta família. Por isso, perspetivo Vilar como um dos condados de Azeméis. E sobre um desses condados escreverei na segunda carta deste mês. Até lá.
Santiago de Riba-Ul, 12 de fevereiro de 2025