Inicio este artigo com uma “declaração de interesses”. Sou um Carregosense, filho de Manuel Melo. Meu pai, além de outras responsabilidades e cargos que exerceu em prol da freguesia de Carregosa, foi Presidente da Junta de Freguesia durante três mandatos e foi fundador e Presidente de Direção do Centro Social Cultural e Recreativo de Carregosa durante vários anos.
Posto isto, trago aqui parte de uma estória que transcrevi do livro “Estórias com tinta” do meu amigo Maximino Aguiar Tavares, editado em 2020:
“Estávamos, nos anos 80, na aldeia o presidente da junta, o Sr. Manuel Melo, com defeitos e virtudes, era um homem dinâmico e sonhador. Com a sua paixão pela terra arrastava grande parte da população.
Sonhou construir um grande edifício de cariz social que englobasse valências de lar, infantário, cultura, desporto e tempos livres. À grande. Toda a gente aderiu.
A obra era absolutamente necessária. Os tempos eram difíceis, não havia dinheiro, sempre, sempre o mesmo obstáculo. Realizaram-se peditórios, sorteios, cortejos, angariaram-se sócios.
Nos cortejos realizados o primeiro a sair envolvia os lugares de Arrifaninha, Ínsua, Fontanheira, Cavadinha, Presigo e Lomba. Muito elegante primou pela harmonia, beleza, muita cor, muita alegria, muita juventude e sobretudo muitas flores. Estava dado o mote, o pontapé de saída.
O segundo cortejo seria o dos lugares de Carregosa de Cima, Serrado, Carregosa de Baixo, Chão da Silva, Costeira, Perrinho e Seada. Todos estes lugares estavam a trabalhar, apenas o de Carregosa de Cima encontrava-se completamente amorfo. As senhoras eram a mola principal, ali nem uma. O senhor Melo acendeu o rastilho: “onde não há mulheres tem de haver homens”. Na Casa Maximino reunimo-nos na brincadeira uns tantos rapazes. Conseguimos um quartel-general. Foi tudo feito numa ou duas semanas. Ideias, mais ideias, o que fazer?
Surgiu um plano, se não há mulheres vamos representá-las. Todos concordaram. Que vamos representar? Depois de muita conversa, muita reflexão, chegamos a uma conclusão: o melhor seria levar um lavadouro público. Ora nem mais. Preparámos todo o cenário que levaríamos no carro alegórico. Conjugamos em uníssono algumas sátiras…o próprio carro já era uma graçola com os rapazes vestidos de mulher. Cada um de nós dizia uma verdade e todos à uma diziam em refrão: MAS QUE MENTIRA!”
Lembro-me perfeitamente deste cortejo e decidi transcrever este pedaço de texto para que todos tenham a perceção das dificuldades que foram ultrapassadas para poderem hoje oferecer à população uma instituição como o Centro Social Cultural e Recreativo de Carregosa.
Atualmente, aos olhos de muitos, é uma instituição reconhecida que está ali implantada como um “dado adquirido”. Outros não têm noção, não conhecem e não sabem o que foi necessário fazer para ultrapassar as dificuldades para que, hoje, Carregosa tenha uma instituição que oferece inúmeras valências aos carregosenses.
O Centro Social foi fundado em 1981 tendo, em 1986, inaugurado as suas atuais instalações, tornando-se uma referência educacional na região. Uma associação sem fins lucrativos dedicada ao apoio social, educacional e recreativo.
Inicialmente focado na infância expandiu-se, em 1992, para incluir atividades de tempos livres e o apoio domiciliário a idosos no ano 2000. O sonho do lar de 3ª idade, foi sucessivamente adiado, no entanto, ainda se adquiriu terreno, iniciou-se o projeto, mas infelizmente, até hoje, não se concretizou devido a vários contratempos e outros motivos que desconheço.
Crime patrimonial
O edifício, onde está instalado o Centro Social e que tanto custou a erguer, em frente à Junta de Freguesia, bem no centro, foi recentemente objeto de obras de requalificação, o que é perfeitamente natural num edifício com quase 40 anos. O que não acho nada natural, acho mesmo um crime patrimonial, é terem tapado com capoto a parede exterior de azulejo pintado à mão que existia na fachada do edifício.
Na minha opinião considero um atentado ao património da instituição e, ao mesmo tempo, considero um desrespeito total pelos carregosenses que fundaram e ergueram a Instituição, pelo benemérito que pagou a obra de arte que durante anos embelezou a parede exterior do Centro Social e Cultural de Carregosa. Não sei quem são os responsáveis pela infeliz decisão, e também não sei se é possível voltar a recuperar os azulejos, mas se for possível, deveriam fazê-lo imediatamente com um pedido de desculpa ao povo de Carregosa.
Não sei quem são os responsáveis pela infeliz decisão, e também não sei se é possível voltar a recuperar os azulejos, mas se for possível, deveriam fazê-lo imediatamente com um pedido de desculpa ao povo de Carregosa
A instituição tem, atualmente, cerca de 217 utentes que frequentam diariamente os serviços do Centro Social, com foco no desenvolvimento harmonioso das crianças e no apoio domiciliário a idosos. Não tenho dúvidas de que o Centro Social, no seu dia a dia, continua na busca dos seus principais objetivos, ou seja, do desenvolvimento Integral, da autonomia, da aprendizagem significativa, do bem-estar e segurança, da inclusão e da igualdade. Aliás, é de salientar os projetos premiados como “Folhas & Bichos” que exploram a natureza e promovem o desenvolvimento integral, o “Intergerarte” que promove a interação entre crianças e idosos e o “Senta-te comigo”, que aproxima gerações diferentes e promovem experiências intergeracionais.
O Centro Social e Cultural de Carregosa, desenvolve outras atividades que visam o desenvolvimento e o bem-estar social e é, sem dúvida, uma mais-valia importantíssima para a comunidade local, sendo de louvar quem abraça a missão de gerir e melhorar esta casa.
No entanto, existem aspetos que devem ser preservados como o património artístico, esteja ele onde estiver.