Na cinzenta rua pedonal, a ressaca do período festivo é contrariada pelo animado debate acerca do novíssimo fórum municipal – anunciado como espelho do futuro citadino. De facto, a fachada, pelo menos, é belíssima. Todavia, não tive oportunidade de visitar tal lugar. Por isso, viro costas e entrego-me ao fado desta carta.
A pitoresca fachada da petisqueira “A Janela” convida a mergulhar numa casa digna de “A Canção de Lisboa” – 1933 – e das desaventuras de Vasco Santana, Beatriz Costa e de António Silva, entre cortinados aos quadrados, guitarras, menções a Amália e mesas de madeira. Afinal, estamos numa casa de fado, comandada por D. Margarida, por norma de garganta afinada e ideias alinhadas na cozinha.
Ainda que passe despercebido a “influencers” e engenheiros, este lugar conforta quem se predispõem a revisitar o íntimo. Outrora armazém da Drogaria Osório, o espaço adquiriu um renovado propósito em meados de 2019. Meses mais tarde, vivi o primeiro capítulo n’A Janela.
No princípio do verão daquele ano, prestes a completar 20 anos, queria reunir família e amigos no coração da cidade. Contudo, sem um lugar a condizer para a ocasião. Certa tarde, ao atravessar a rua pedonal, espreitei para a tal petisqueira, de sala vazia. Ao entrar, deparei-me com sonhos e fados, brindados com o aroma de cozinhados caseiros.
Ora, sorte a minha por (con)viver com mestres de comezanas. Bafejado pelo seu fado da descoberta e crítica, arrisquei e descobri uma casa de todos os momentos. Então, quando se mistura família e amigos, o cardápio promete histórias para narrar por décadas. São guitarradas, brindes, gargalhadas, abraços e cantorias.
Esta é uma parte significativa do meu fado, o sentido de casa. Para lá da bendita e tradicional reunião em julho, o ano é polvilhado com visitas à D. Margarida e ao marido, o “Tino”.
No regresso, além do estômago reconfortado – senão lotado – trago renovadas histórias, vários episódios sobre o romance deste casal, de concertos e da descoberta no estrangeiro, de viagens sem destino, das lutas e rumos profissionais. Esta é uma dupla com coração d’ouro, sempre de braços abertos, como quem abre a porta de casa.
E prometem, inclusive, fazer furor no outro lado do globo. Refiro-o, pois assisti à visita de turistas japoneses, fascinados com a decoração pitoresca e a oferta gastronómica, ignorando barreiras linguísticas e culturais. Afinal, é à mesa que os povos se entendem.
Em suma, na rua pedonal floresce há mais de cinco anos uma casa do fado, da cozinha tradicional – do abençoado bacalhau à liberdade – uma autêntica janela para Azeméis. De passados, de presente e futuro. Um armazém de elos. Quando muitos olhos vislumbram o aclamado fórum, devem tomar atenção à pérola que lhes espreita pelas costas.
Fica o convite. Até já, Petisqueira A Janela!
“Enquanto há tempo, fazemos a festa, fachada desta nossa tristeza; Há-de haver festa, num sítio onde a malta se possa juntar; Fazemos a festa, com gente cheia desta tristeza; Há-de haver festa até se for p’ra ‘tar a chorar” – Capitão Fausto, “Muitas Mais Virão”
Santiago de Riba-Ul, 13 de janeiro de 2025
Uma resposta
Ola à todos, para começar posso diser que ja tive o previlegio de saborear essas iguarias 1001 vezes, pois de muito pequenino foi avituado a comer bem, pois a D. Margarida minha mãe ja era uma cozinheira fora da caixa. Tenho uma mãe muito a frente, sim porque canta fado e chefe de cozinha no seu proprio restaurante petisqueira, sonhos realizados, sou filho de uma mulher lutadora, que sempre luta por aquilo que aquredita, um abraço a todos .