Quarta-feira, 4 de Dezembro de 2024
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Toda a história sobre a mamoa de Prazins, que teve o seu topo destruído depois das recentes movimentações de terras (ilegais)

> A arqueóloga Sara Almeida Silva conta tudo o que se deve saber sobre a mamoa de predizes, denuncia irregularidades e a destruição do topo do monumento. E ainda dá um enquadramento histórico e técnico sobre a realidade das mamoas no nosso concelho.

A Mamoa 1 do Castelo ou da Mourisca, localizada na freguesia de Fajões, surge referida, pela primeira vez, num documento medieval, como mamoa de “Prazijn”, daí também ser mencionada como mamoa de Prazins. Foi escavada pelo arqueólogo Fernando Silva, no final da década de oitenta do século XX, no âmbito do estudo que efetuou sobre megalitismo da região, tendo em vista a realização da sua tese de doutoramento.

De uma forma muito simples, as mamoas são monumentos funerários da Pré-História, a expressão do megalitismo no nosso concelho. Há vários tipos de mamoas, de maiores ou menores dimensões, com diferentes estruturas no seu interior. As mamoas serviam para enterrar os mortos ou para nelas se depositarem as suas cinzas. Os enterramentos eram por vezes acompanhados da deposição de objetos.

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Nos trabalhos realizados, Fernando Silva deparou-se com um “monumento particular”, “bem destacado na paisagem”, cortado por um caminho recente, com uma grande cratera de violação e tendo uma pedreira nos seus limites. Assim, era evidente que a parte central da mamoa – a câmara – estava afetada por ações humanas posteriores. Estas ações são frequentes nestes monumentos e explicam-se pela curiosidade e procura de objetos valiosos, havendo muitas vezes lendas associadas a estes sítios.

A mamoa tinha 23 metros de diâmetro e uma configuração circular. A escavação demonstrou que a mamoa foi apenas coberta de terra, isto é, o topo do monumento não era composto por couraça lítica (pedras), o que não é muito frequente. Após a remoção de parte dessas terras identificou-se um anel lítico sub-circular e a zona da câmara central, de forma poligonal alongada, com cerca de 3 metros de comprimento e 1,50 metros de largura. Apenas um dos esteios (das pedras) que compunha a câmara estava no seu sítio original, mas foi identificado um outro, caído, que tinha 2,46 metros, o que levou Fernando Silva a definir a câmara funerária como megalítica. Para estabelecermos um paralelismo que possa ser mais facilmente reconhecido, é como se estivéssemos a falar de uma anta, com esteios que suportam uma tampa. Neste caso, essa anta estava escondida por um montículo de terra.

O espólio recolhido nesta intervenção foi significativo. Foram 199 objetos, entre líticos talhados e fragmentos de cerâmica. A cerâmica depositada no monumento permitiu concluir que houve uma reutilização, isto é, que além do momento primário em que a mamoa foi construída, entre o Neolítico médio/final, houve outra deposição, mais recente, no Calcolítico, isto é, nos finais do III milénio a.C..

De acordo com Fernando Silva, após os trabalhos arqueológicos houve compromissos assumidos pela autarquia, no sentido de proteger a sepultura, o que não veio a concretizar-se. Assim, no terreno da Mamoa restaram as terras removidas pela intervenção e as sanjas (os buracos) que dela resultaram.

Estas sanjas eram evidentes no terreno até há algumas semanas quando uma máquina procedeu a movimentações de terras, colmatou as áreas sondadas, removeu os montes de terra da escavação e, aparentemente, aplanou o terreno onde se localiza a mamoa.

O topo da mamoa foi destruído e misturou sedimentos

A escavação de Fernando Silva tinha intervencionado apenas parte do monumento, pelo que a mamoa continua, sob terra, no local. Isto significa que a máquina destruiu, pelo menos, o topo do monumento e misturou sedimentos. Não é possível perceber, sem intervenção arqueológica, se o anel e os esteios foram afetados. Ora, se em arqueologia uma das coisas mais importantes é o contexto, esta ação compromete claramente a integridade do sítio.

Os terrenos onde se registam sítios arqueológicos carecem de pareces prévios e estão, naturalmente, condicionados em quaisquer movimentações de terras. O nosso concelho está sob tutela da Direção Regional de Cultura do Norte, a quem compete emitir os pareces vinculativos sobre as ações a realizar. Normalmente, as condicionantes impostas podem implicar a escavação prévia do sítio e o posterior acompanhamento da obra. Os custos destes trabalhos são suportados pelo promotor.

Sobre o local de depósito do espólio

Em 1995 Fernando Silva notava que o espólio estava ainda em sua posse e que após o estudo, seria entregue no Museu Regional de Oliveira de Azeméis. Ora, é frequente os arqueológos ficarem responsáveis pelo espólio dos sítios sob sua investigação, entregando-os depois a instituições onde são depositados. Fernando Silva faleceu em 2010, sem ter concluído o seu trabalho de doutoramento. Estes materiais acabaram por ficar depositados no Centro de Arqueologia de Arouca, uma associação que o próprio fundou em 1986 e que tem vindo a promover trabalhos de investigação no Entre Douro e Vouga. O CAA funcionou como local de depósito, não se tratando de um Museu. Esse espólio foi entretanto, a pedido da autarquia, entregue ao Sector de Museu e Arqueologia do Município de O. Azeméis.

Esta situação acontece porque muitas vezes os municípios não têm Museus Municipais ou Reservas Arqueológicas capazes de receber o depósito de espólio, sendo ainda mais raro aqueles que têm espaços ou serviços que permitam o estudo dos materiais (isto, para quem questionar o motivo de o espólio ficar em posse do arqueólogo).

De qualquer forma, há a notar, por exemplo, que o espólio dos trabalhos no Castro de Ul, nos anos 80, ficou sob uma escadaria da Casa-Museu Regional de Oliveira de Azeméis, em condições muito deficitárias de conservação, até 2011. Isto significa que, mesmo estando num Museu, pode não ser assegurado o seu estudo e conservação.

As limitações da Arqueologia

Os enterramentos da pré-história têm inerentes uma série de explicações que escapam aos arqueólogos, muito porque estão em causa práticas rituais que nunca serão tangíveis. Há relações e interpretações que se podem estabelecer, mas justificar a existência de monumentos sob túmulo para que os corpos não fossem consumidos por feras é pura fantasia, não tendo a teoria qualquer evidência científica, até porque não raras vezes as deposições nestes monumentos eram de enterramentos de incineração (cinzas).

A arqueologia não é um problema

Fernando Silva notou em 1994 “A falta de sensibilidade dos poderes locais (…) para o estudo, proteção e divulgação do património concelhio”. Hoje, em 2022, continuamos a ter a atualidade nesta frase. A arqueologia está longe de ser prioridade dos poderes políticos concelhios. O facto da investigação arqueológica não criar um grande impacto imediato, leva à preferência pelo investimento noutro tipo de eventos. Aliás, é com frequência que até obras autárquicas causam danos patrimoniais. A perspetiva de muitos dos agentes políticos de que a arqueologia é um problema é extremamente redutora. É verdade que a presença de sítios arqueológicos traz condicionantes para os terrenos, mas também é verdade que lhes acrescenta valor, que nos confere uma identidade que não se coaduna com limites administrativos. É um património que é de todos.

O que está em causa com a movimentação de terras

É uma violação do PDM municipal e da Lei de Bases do Património (107/2001). A destruição de património pode conferir uma contra-ordenação ou mesmo crime.

Regime de proteção

A mamoa em causa está inventariada com Código Nacional de Sítio e incluída em PDM. Não dispõe de classificação como monumento nacional, de interesse público ou de interesse municipal.

Descrição, em síntese, da mamoa

23 m de diâmetro, coberta de terra, a mamoa continua uma câmara megalítica poligonal, cuja altura poderá ter rondado os 2,50 m. à volta da câmara identificou-se um anel de pedra.

A violação central e a procura de tesouros

É comum a existência de crateras no centro dos monumentos por, em dado momento, o Homem ter tido curiosidade pelo que se escondia no seu interior. Como vemos neste caso, o espólio recolhido são objetos em pedra e fragmentos de cerâmica. Estes são muito importantes para a investigação arqueológica, especialmente se forem recolhidos no seu contexto. Usar expressões como “tesouros” pode induzir em erro a maioria das pessoas, para quem os tesouros constituem conjuntos de moedas, objetos metálicos e de valor acrescido, levando ao saque de monumentos.

Números

Oliveira de Azeméis tem 14 mamoas identificadas, 3 delas foram escavadas por Fernando Silva. 4 dessas mamoas, por terem sido identificadas mais recentemente, não têm ainda atribuído Código Nacional de Sítio.

O que fazer para se denunciar a destruição de património

Contactar os serviços municipais de arqueologia (Oliveira de Azeméis tem um arqueólogo nos seus quadros) e a Direção Regional de Cultura do Norte.

Onde saber mais

Os trabalhos na Mamoa do Castelo foram publicados por Fernando Silva, em 1994, no volume 1 da Revista Ul-Vária, editada pela Casa-Museu Regional de Oliveira de Azeméis. Pode ser ainda consultado o portal do arqueólogo, pesquisando os sítios identificados no concelho e o portal Memórias de OAZ.

O que falta

No nosso concelho têm sido recorrentes os atentados patrimoniais. Alguns pelo desconhecimento dos proprietários outros por claro desrespeito pelo património. O caso do Castro de Ossela, em 2013 é disso exemplo. Faltam demasiadas coisas, mas falta sobretudo sensibilização. Se a autarquia se esforçar por sensibilizar a comunidade e os proprietários dos terrenos deixamos de poder usar a desculpa do desconhecimento; mas cabe às autarquias (câmara e juntas) dar o exemplo, nas suas obras, de fazer da arqueologia uma prioridade. Nenhuma autarquia tem obrigação de apoiar a investigação arqueológica, mas todas as autarquias têm o dever e a obrigação de garantir, no mínimo, a salvaguarda pelo registo dos seus sítios arqueológicos.

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